“Aquele filho de um cão sarnento batia-me até sangrar. E depois perguntava: “E agora? Vais contar à tua mãe?”. E eu respondia, porque não lhe tinha medo: “Vou-lhe contar para quê? Ela não tem nada a ver com o assunto!”
Podia bater-me, mas no final as mãos também lhe doíam. Quando chegava a casa, a minha mãe ficava aflita por ver a minha cabeça aberta pela sachola ou o sangue nas minhas mãos cortadas, mas eu sabia que de nada adiantava.
As vizinhas sempre souberam que a minha velha apanhava. Só que quando viam o meu pai chegar, e a minha mãe estava a lavar roupa cá fora, elas já fugiam para casa, para não terem que ver nada. Ainda agora, aos 86, a velha ainda apanha.
Quando era puto também era danado. Como a padeira só me dava broa, pregava-lhe uma rasteira quando ela ia a passar na rua com as sêmeas, e apanhava-as antes de caírem ao chão.
Um dia cheguei depois da hora a casa, já de propósito para ver se o fodia. E o filho de um cão velho estava atrás da pia à minha espera. Quando entrei na cozinha, só vi a minha mãe e ela perguntou-me se aquilo eram horas. E eu respondi-lhe, porque à minha velha eu respondia. E aquele filho de um cão sai detrás da pia, e põe o braço à volta do meu pescoço. Arrasta-me para o fundo do terreno. Coloca-me a corda à volta do pescoço e começa a apertar a laçada. E eu já pronto. Se aquela carcaça me apertava mais um bocadinho, eu virava-o todo.
Às vezes lembrava-me que tinha mais força que ele, e apetecia-me enfiar-lhe a cabeça dentro do rio Leça, e segurar bem até ele afogar. Mas depois o gajo ainda vinha atrás de mim para me botar ao rio! E eu nunca soube nadar...
Quando fui chamado para a tropa a minha mãe disse-me: “Ele a ti tinha-te medo! Porque não andavas de cabeça baixa. Porque lhe olhavas nos olhos. Por isso te batia. Queria impôr respeito.”."
[Em Conversas: a educação.
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