12.11

[Depois de horas e horas remexendo águas passadas, o seu olhar embateu em antigos pertences do marido. Era lhe vaga a sua existência, mas agora que os sentia nas mãos relembrava-os.

A fotografia coçada, desdobrava-se em mil e uma recordações e num profundo odor a orgulhoso mofo. Embora simples e íntegra, deixava notar as marcas de lágrimas ali enterradas. De traje rigidamente engomado, mostrava-se um homem ainda novo demais para o peso que a farda acarretava. E apesar da expressão de bravura, a tensão nas suas mãos, expunha-se inquieta.

O isqueiro de aço pormenorizadamente trabalhado, há muito que não sentia calor nem suor. O seu corpo enegrecido pelo fumo e pela chama momentânea marcavam uma idade muito além da sua. Era leve e robusto, elegante e sofisticado.

De capa imaculadamente rugosa, o pouco que sobrava do livro, estava meticulosamente embrulhado num lenço de linho, de uma brancura exaustivamente amarelada pelas Primaveras incessantes. Na primeira pagina a dedicatória redondamente desenhada pelas mãos femininas, que a seguravam agora e tremiam de saudade. Marcava a primeira edição e uma idade já muito dissecada. Nas margens das folhas, notas pessoais, pequenos apontamentos sábio e desinteressados.

Uma outra memória rodopiou no ar, e aterrou no pó da carpete. No papel baço de uma fotografia sorria um menino traquina, que repreendia o sorriso maroto, com um ar sério fingido. Ainda se notava a frescura na sua pele e as bochechas gordinhas, que nem o tempo, e nem a fome, haveriam de apanhar. Ao fundo um altar de orvalho, cheirando a rosmaninho e margaridas. Sobre este, a figura austera de um Cristo, que ainda no jantar passado o havia abençoado com uma dor de barriga. Bem a mãe o avisara, de dedo apontado para o alto, que Ele não gostava de meninos mal comportados que comiam lambarices antes do jantar.(...)